sábado, 19 de janeiro de 2013

A Nova Lei Seca


A Nova Lei Seca


O que ocorre?

Recentemente tivemos a novel alteração no Código de Trânsito Brasileiro fruto da famigerada lei seca. A ideia foi remendar o fracasso que tivemos ao tentar implementar a tolerância zero ao álcool em 2008.

Transcrevo abaixo um trecho da matéria que foi publicada no site de notícias G1 e faço alguns comentários na sequência no que tange à óptica jurídica e prática:

            “As novas regras que endurecem a lei seca e começam a vigorar nesta sexta-feira (21) devem acabar com a brecha usada por muitos motoristas para fugir de punição. Segundo especialistas ouvidos pelo G1, recusar o bafômetro não vai mais impedir o processo criminal, mas há críticas à "subjetividade" do texto.
            ...
            A mudança no Código Brasileiro de Trânsito sancionada sem vetos nesta quinta-feira (20) pela presidente Dilma Rousseff possibilita que vídeos, relatos, testemunhas e outras provas sejam considerados válidos contra os motoristas embriagados. Além disso, aumenta a punição administrativa, de R$ 957,70 para R$ 1.915,40. Esse valor é dobrado caso o motorista seja reincidente em um ano.”
           
Formalmente, como era e como ficou?

O art. 306, do CTB que traz o crime em questão que teve alterações substanciais. Vejamos:
Antes
Depois
Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência.
Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência.

A intenção agora é eliminar a dependência do exame de sangue ou etilômetro (bafômetro) que eram as únicas formas de comprovar a presença de álcool no sangue, nos termos da lei, os 6 decigramas.

A total ineficiência da lei seca de 2008 foi essa necessidade de fazer provas invasivas ou exigir que o agente faça prova contra si mesmo. São formas que atentam contra os preceitos constitucionais e logo os tribunais superiores já se manifestaram sobre o assunto derrubando por terra qualquer tentativa de tornar a lei eficiente.

Eu já cheguei a comentar na época que a lei seca seria puro sensacionalismo que teria a única função de causar um impacto de saída e logo cairia no esquecimento, só não imaginava que o legislador teria matado por completo a lei naquele ano.
           
Como funciona?

Muito disso foi resgatado agora, porém temos alguns problemas ainda. Passando primeiro à funcionalidade da lei, ela será utilizada da seguinte forma:

A autoridade que fizer a abordagem terá o livre arbítrio de afirmar que o motorista se encontra sob influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência. Essa afirmação poderá se dar por mera verificação preliminar da autoridade, testemunhos, vídeos e similares nos termos dos parágrafos 2º e 3º do art. 306, do CTB.

Do ponto de vista formal a pessoa não é obrigada a produzir prova contra si mesmo que deriva da máxima latina do nemo tenetur se detegere estampada no art. 5º, LXIII, da CF. Só que a simples afirmação de um policial que a pessoa está embriagada seria suficiente para configurar  o crime em tela.

Grosso modo, a pessoa terá de se submeter ao teste de alcoolemia para comprovar que está sóbria. Do contrário, o policial poderá concluir pela ocorrência do crime.

De cara encontramos duas afrontas na nova lei:

Primeiro que os tipos penais (crimes) devem obedecer ao princípio da legalidade com seus desdobramentos, entre eles a clareza da lei penal que está umbilicalmente ligada ao princípio da taxatividade que nos alerta que a lei incriminadora deve ser precisa e certa, sem dar margem a subjetivismos e interpretações dúbias.

Segundo que se está tentando inverter a ordem das coisas. A presunção de inocência (art. 5º, LVII, da carta magna) sempre foi uma das vigas mestre do estado democrático de direito. Mas agora, a simples afirmação do policial já pode considerar que a pessoa é culpada e para provar o contrário ela deverá produzir prova contra si mesma? Ao Estado cabe provar a culpabilidade e não ao cidadão! Algo está errado aqui.

Desculpem-me os defensores da lei seca, mas a meu ver ocorreu, novamente, um problema que atenta contra as bases do direito penal.

 O que eu tenho a dizer acerca da nova lei seca?

Sempre fui adepto das correntes minimalistas do direito penal e depois de virar um estudioso e admirador da criminologia reafirmo ainda mais a minha posição. Não se está a defender um estado anárquico aqui. Mas apenas que esta é uma preocupação que deve ficar adstrita à esfera administrativa e não à penal.

O direito penal só deve ser usado em últimos casos. Essa é uma questão que poderia ser controlada com medidas administrativas mais drásticas como incidência de multas mais pesadas, fiscalização mais presente etc. De fato a lei melhorou neste ponto, o que é louvável, mas não de forma satisfatória ainda.

Mais uma vez, há um grande sensacionalismo midiático em cima da questão dos acidentes de trânsito, sobretudo em épocas festivas como no mês de dezembro. Isso faz com que os governantes queiram atendes aos anseios em busca de leis mais pesadas e acabem cometendo tais equívocos.

Pergunto: Adiantará uma atuação ostensiva até o carnaval e depois parar a fiscalização por completo? Resolve o problema prender?

Aspectos penais.
Prender não resolverá. Até porque onde serão encarcerados os “bandidos” da lei seca? Se não temos vagas em estabelecimentos prisionais para homicidas, traficantes, estupradores e outros criminosos perversos. O que faremos com aquela pessoa que ingeriu uma latinha de cerveja com o almoço e caiu na blitz da lei seca ou qualquer cidadão de bem que cometeu algum deslize?
Pergunto-me se alguém já entrou em um presídio e sabe o quão promíscuo é o ambiente. Será que seria possível reabilitar a pessoa ou mais provável ainda seria contaminar ela no mundo do crime?

Não bastasse isso, já adianto que alguém, dificilmente, será preso. Por quê?

Simplificadamente falando, o crime tem pena de detenção de seis meses a três anos. Isso significa que o infrator poderá gozar do benefício da suspenção condicional do processo. Ou seja, ele sequer será processado mediante algumas condições.

Em últimos casos, se for processado e condenado, poderá ter sua pena privativa de liberdade (prisão) substituída por um pena restritiva de direitos como, por exemplo, a de serviços comunitários, limitação de fim de semana etc.

Considerações finais.

A meu ver a lei teve uma boa intenção, progrediu bastante nos aspectos administrativos com medidas mais drásticas, mas poderia ter ido além.

Na seara criminal se está diante de uma aberração que contraria o nosso ordenamento jurídico em vários aspectos e ainda permite uma ampla subjetividade ao fiscal da lei.

Creio que ocorrerão muitos abusos ainda e que o judiciário será chamado a intervir de alguma forma positiva. Esperemos agora para ver o quão eficiente ela será na prática.

Minha recomendação é: Se for dirigir, não beba!

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